Philip Roth

De mãos dadas com o desastre

Cada vez que eu conto uma história desastrosa eu posso prever a reação: “isso só acontece com você!” ou “nossa, mas você tem tanto azar!” Pode ser sobre perder o passaporte, sobre o dia que o cobrador arrancou os cabos do ônibus elétrico, ou sobre algum homem que foi cuidar dos órfãos da Madre Teresa de Calcutá, ou decidiu se alistar no front rebelde da Ucrânia. Não importa muito. A reação é sempre de uma certa incredulidade misturada a espanto que um único ser humano consiga concentrar tanto azar.

O que muitas vezes meu ouvinte não nota, é que todas essas histórias tem um ponto comum muito óbvio: eu mesma.

Há uma parcela de azar totalmente fora do meu controle e independente da minha pessoa. Eu não teria como causar a greve de maleteiros em Barcelona que me fez dormir no aeroporto e comer sanduíches da cruz vermelha. Eu não poderia impedir o cobrador de ter um dia de fúria em plena véspera de carnaval e parar o funcionamento do ônibus. Mas acho que terminam aí as situações em que o desastre foi totalmente livre da minha influência.

Eu tenho o enorme e incomparável talento de estragar absolutamente tudo em que coloco as minhas mãozinhas.

Eu mesma perdi meu passaporte, isso é óbvio. Eu estava andando pelas ruazinhas de uma cidade cubana depois de ir a um cabaré de travestis, isso também é óbvio. Eu decidi ir passear alegremente por Israel quando o país estava em guerra. Eu que encho a cara e saio largando o celular em bancos de táxi aleatórios. Eu que escolho os homens com quem me envolvo. E sou eu, em última instância, que me envolvo com eles.

Tem isso que já acabou. Ou que já deveria ter acabado. Esse cara que já me disse que não sabe o que quer de mim e eu que já estou nessa vida há muito tempo para saber que se ele não sabe o que quer de mim eu deveria juntar as minhas coisinhas, amarrar minha trouxa e ir embora viver minha vida. Mas eu não consigo. Eu volto e eu volto e eu desencavo e eu analiso na esperança de entender o que deu errado. Na esperança de entender o que eu fiz errado.

Em todas as milhares de aulas de filosofia que eu já tive na vida, eu aprendi que o ser humano tem uma dificuldade imensa em lidar com sua falta de autonomia. Frente a Deus, frente ao destino, frente ao acaso, o que você preferir. O que mais nos angustia, nós, seres pequenos e trágicos, é a falta de controle, é saber que não importa o quanto a gente se bata, tente fugir, se recuse a completar profecias, nós acabamos matando o próprio pai e comendo a própria mãe porque nossos caminhos não nos pertencem.

“He had learned the worst lesson that life can teach – that it makes no sense.” Eu entendo Philip Roth, eu amei Pastoral Americana com toda a força do meu coração, eu entendi seu ponto. Não importa o que se faça, não importa os planos e as tentativas, o acaso morde seu rabo e você cai no abismo que passou a vida tentando fugir.

Mas eu acho mais fácil lidar com tudo aquilo que não fui em mesma que causei.

Não é que o acaso e a falta de autonomia não sejam assustadores. Mas são menos do que a culpa. Menos do que a consciência de que eu sou sempre portadora do meu próprio desastre e, ainda assim, não posso impedi-lo.

Eu talvez conseguisse deixar ir alguém que simplesmente não me quer. Eu não consigo soltar alguém que eu fiz não me querer. Eu não consigo parar de voltar em todas as falas, todos os gestos, todas as vezes em que eu contraí meu corpo para fora dos braços dele e o afastamento lento, gradual que eu nunca poderia julgar. Eu nunca poderia acusá-lo da autopreservação, eu nunca poderia dizer que ele estava errado de se fechar para mim quando eu parecia tão fechada para ele.

Mas eu não consigo parar de me culpar. Meses depois, eu não consigo parar de me acusar de tudo que eu causei, tudo que eu fiz ir embora.

Não é porque eu queira ele de volta. Isso me dói muito menos do que a responsabilidade. O que eu perdi é mais facilmente aceitável do que como eu perdi.

Eu baixo a guarda então. Eu hoje noto cada vez que minha mão quer fugir de um toque, cada vez que quero escapar aos dedos nos meus cabelos. Não escapo. Todos os dias eu escolho não fugir e não fujo. Não minto. Eu vou ficando porque eu só não quero ser a culpada.

Mas quais as chances de que eu não estrague? Se eu percorri minhas mãos por você, eu transformei tudo isso em um desastre.

Eu sei desde já dos gritos, do choro e da dor. Da destruição que eu vou deixar pra trás quando eu for embora. Da corrupção e da loucura que ele nunca pensou em ter e eu trouxe para sua vida. Da impossibilidade de que ele saia disso inteiro, inocente.

Eu finjo que não sei. Eu finjo que posso fazer diferente. Eu falo da amargura brincando, como se eu estivesse sendo irônica. Eu aviso, mas nunca a sério, do desastre que posso causar.

Eu não quero ir embora. Mas eu devia.

“Minha doce Norazinha putazinha…”

Eu acho interessante, engraçado, como às vezes parece que coincidentemente as coisas se acumulam dizendo a mesma coisa. Um livro, um filme, uma série. Como se todas as escolhas que você faz secretamente se arranjassem para reforçar o mesmo tema, a mesma ideia infiltrada. Ou talvez, seja apenas eu que vejo o que quero ver em repetidos lugares.

Sempre me lembro daquela aula de filosofia, de Freud, de aprender que a paranoia é o oposto do sentimento da ausência de sentido. Na paranoia tudo tem sentido. A paranoia é a resposta do ego (talvez fosse uma aula de psicologia?) que não consegue encarar de frente a falta de sentido e a aleatoriedade do mundo. Na paranoia tudo tem sentido mas ele é sempre contra você.

Divago. Paranoia não tem a ver com esse post, embora essa frase tenha grudado em mim de uma forma que cada vez que ensaio ver uma correlação em eventos que sei que não tem qualquer conexão me paro e digo não, paranoia não. Meu rol de distúrbios diagnosticados já é suficiente sem ela e eu acho neurose uma palavra mais sonora. Saia daqui otimismo, não posso pensar que algo a noite vai dar certo só porque deu de manhã, fique longe de mim.

Mas enfim, não, paranoia não é o tópico. O tópico começa pelo acúmulo coincidente do mesmo tema.

Eu li hoje as Cartas a Nora, do James Joyce. Acho Joyce algo de maravilhoso porque quando você acha que está no domínio da extrema intelectualidade, do experimento formal hiper racionalizado, da linguagem pura que é dissociada da experiência vivida cotidiana, ele vai e te joga um “de sentir teus lábios chupando-me de te foder entre as maminhas”. Você começa Ulysses achando que jamais vai conseguir ler aquela coisa, que aquilo é pura especulação filosófica avançadíssima e de repente percebe que é só uma gente batendo punheta na praia. As cartas começam parecendo declarações repetidas de um amor ideal, do amor denso, intoxicante, mas etéreo e de repente, na virada de uma página, é tudo sobre o cu da Nora e de como ela tem a fantasia de cagar na frente dele.

Eu gosto desse vai e volta entre o extremo intelectual e fisicalidade bruta. Mas eu gosto mais de como Joyce ancora no corpo feminino esse desejo cru. A Nora que nunca vemos falar, como a Molly, como a personagem em Os Mortos, são seres cujo desejo é forte, pulsante, personagens tomadas pela dimensão física do sexo. E é tão raro a literatura, ou mesmo a história, nos contar de mulheres dominadas pelo próprio desejo.

Homens há vários. Desde Marco Antônio há histórias de homens que colocaram tudo a perder pelo desejo carnal, pela impossibilidade de controlar as ondas de sangue que descem pro pinto. De Tolstoi a Philip Roth temos homens que se arruinam por serem incapazes de resistir a pernas que se abrem na frente deles. Parece razoável, não parece uma construção de personagem clichê, mas muito mais a exploração de um arquétipo, a possibilidade de resistir ao desejo é uma questão tão fundamental quanto a aceitação da mortalidade.

Quantas mulheres a literatura conta que se arruinaram por desejo? Lady Chatterley. E não consigo lembrar de mais nenhuma. Emma Bovary se arruina pelo ideal romântico, pela paixão como um todo, não só pelo sexo. As Brontë jamais colocariam em palavras assim, mas desconfio que Catherine se arraste para Heathcliff por desejo carnal, assim como o apelo de Mr. Rochester é tão sexual que a única escolha possível para vivê-lo em um filme é Michael Fassbender. Ainda assim, Jane Eyre embora magnetizada mantém o domínio sobre si mesma, o desejo não a engole como aos personagens de Henry Miller ou Humbert Humbert. Chip, em The Corrections, é engolido pelo desejo, o Caçula, em Dois Irmãos, o personagem de Marcello Mastroiani em 8 1/2, Portnoy, o protagonista de O Museu da Inocência… todos eles.

As mulheres padecem de amor. Margarida, Aida, Sonia, Marianne, etc, etc. É preciso salvar Tolstoi, Anna Karenina é tomada de algo tão sentimental quanto físico. Ainda assim, não é por sexo que ela se joga embaixo de um trem. E acontece que ela poderia.

As cartas de Joyce se acumularam com um episódio de Game of Thrones em que Varys diz “quando eu vi o que o desejo faz com as pessoas, eu fiquei feliz por não tomar parte dele”. Desejo, mais do que sexo, o momento anterior ao sexo, é possivelmente uma das forças mais poderosas do mundo. É algo que toma, engole, enlouquece, controla o sangue o corpo e é capaz sim de fazer com que alguém se destrua. Mas nas histórias isso só acontece com os homens.

Me incomoda que as mulheres sejam colocadas nesse local em que não é que são capazes de dominar o próprio desejo, mas que não chegam a senti-lo com essa intensidade enlouquecedora. E talvez seja o desejo de mais coisas, o desejo como essa força incontrolável de querer algo que te faz ignorar o custo. Fausto, é o grande exemplo. Lady Macbeth talvez seja a única mulher que deseja com a força de Fausto, ainda assim, ela é mais prudente. Não consigo lembrar de uma história verdadeira de alguma mulher famosa que era publicamente enlouquecida por algum homem. Mas acontece.

E é interessante o tamanho do gênio e da complexidade da estrutura mental do Joyce. As mulheres dele estão fora da curva, elas são depositório de uma sensualidade poderosa, enlouquecida sim. Gosto de como ao escrever para Nora sobre o que quer fazer, ele chame aquilo de sujo, de feio sem que isso acarrete necessariamente em errado. É sujo porque envolve merda, semens, sangue, fluídos, cheiros ruins, gosmas. Amo quando o Pedro-Juan Gutierrez fala que sexo não é pra quem é higiênico. Chamar de higiênico, de limpo, de belo exige que ele caiba em um conjunto de valores do funcional, do bem-organizado, do dirigível. Ele não deveria caber ali, não sempre.

Quando Joyce coloca mulheres absolutamente sexuais e chama suas fantasias de feias e sujas, ele mantém o desejo como esse algo mágico, obscuro, poderoso por escapar a lógica racional cotidiana. Ele se recusa a ignorar a sujeira, ele reconhece a importância do tabu até um certo limite (como o medo, há o medo que impulsiona e o paralisador, dá pra importar a mesma lógica), reconhece a força de dar algo de porco, de animal a Molly Bloom. As mulheres de Joyce perderiam o controle por desejo, em uma narrativa que me incomoda que não aconteça mais vezes.

 

There’s too much love to go around these days

Há pouco mais de duas semana longe de casa, há nem sei quanto tempo longe daqui, eu começo a querer escrever nos meus postais: “me desculpem, eu fugi”

É uma fuga glamurosa, sem dúvidas. Escrevo isso sentada em um trem italiano e por uma janela vejo campos de trigo, pela outra o Adriático (ou seria o mediterrâneo? Mediterrâneo é meu mar preferido, em parte porque ele não tem a mesma cor dos meus olhos e não me lembra da minha própria inconstância). Mas uma fuga é sempre uma fuga e há sempre um gosto amargo lá no fundo da boca.

Estou feliz, claro. Estou mais feliz do que me lembro de ter estado nos últimos 9 anos.

Não, mentira. Estive tão feliz assim em praias da Turquia e estive tão feliz assim mais perto de casa também, é dessa lembrança que eu fugi.

Eu fui embora porque podia ir, foi fácil ir embora, pouca coisa (para não dizer absolutamente nada) me prendia em casa. Mas eu teria ido mesmo que precisasse revirar tudo e desmontar minha vida. Era isso ou ficar louca.

Ainda não sei se vai me impedir de ficar louca, a razão é algo muito frágil, afinal. Há essa frase em Através de um Espelho que gosto muito “é horrível ver sua própria confusão e entendê-la.” Sylvia Plath, Zelda Fitzgerald, Virginia Woolf falaram disso: pior do que perder a razão é o momento anterior, a consciência muito aguda, perfeitamente clara e lúcida de estar perdendo o controle.

Eu perdi o controle.

Sobre mim mesma, sobre a minha mente, sobre o efeito que os outros tem sobre mim, sobre o que era real ou não.

É como se eu vivesse muito perto das portas do inferno e elas estivessem muito mal fechadas. As vezes eu simplesmente não tenho mais forças e deixo abrir.

No museu Rodin eu vi as portas do inferno. Um milhão de pequenas figuras de bronze torturadas, retorcidas, seus rostos repletos de agonia. Gosto da palavra agonia, acho preciso e interessante o conceito de algo que está em processo de morrer, sentindo a vida se esvair de tal forma que a morte parece uma benção. Uma misericórdia ao menos.

A agonia é pior do que a morte. Pior do que a loucura completa.

Acho irônico quando esses textos surgem, quando eu deixo de lado a ironia e as gracinhas e torno público algo brutalmente honesto. Eu faço tanto esforço para esconder a agonia. Já citei Bergman, então estou liberada para citar Game of Thrones, existe um episódio em que o Tyrion vira para o Jon Snow e o aconselha a vestir a falha como uma armadura. Ninguém nunca vai esquecer quem você é, dói menos se você lembra primeiro.

Eu não posso me livrar do tormento da minha própria cabeça, então eu a visto como uma armadura. Eu faço tipo, eu rio irônica, eu faço um charme de fazer péssimas escolhas e ter uma tendência a pouca autropreservação como se fosse uma escolha. Não é. Eu bebo como se não tivesse medo da minha relação com o álcool. Eu tenho.

Eu fujo pra Europa quando minha vontade era fugir pro fundo do mar. Muito literalmente, mais de uma vez.

Eu fujo sozinha, não passo mais de 5 noites no mesmo lugar, saio de manhã muito cedo sem me despedir. Eu preciso fechar feridas que a proximidade com os outros alimenta. Eu preciso do isolamento para costurar devagar os meus pontos. Pelo menos eu costuro bastante bem, se me dão o tempo.

Eu falei sobre isso aqui já, sobre a tendência que temos de esquecer que cicatrizar é um processo, da mesma forma que eu talvez não deva beber após uma intoxicação alimentar, eu não deveria ter chegado perto antes das coisas fecharem.

Sendo sincera, tenho poucas esperanças de realmente fecha-las, mas se pararem de soltar sangue e pus amarelo repugnante, já é alguma coisa.

Ao mesmo tempo me sinto egoísta, me sinto quase culpada que eu precise me afastar de todo tipo de proximidade, não só daquela que é nociva. There’s too much love to go around this days. Há muito amor, eu nunca consegui agradecer com a sinceridade merecida a todo mundo que realmente foi ser feliz comigo no frio e na chuva.

É por isso que minha vontade é pedir desculpas. Desculpas por não sentir falta, não ainda, por não querer voltar pra casa, embora eu ache que vá. Guardo a pequena possibilidade de não no fundo do meu cérebro como um torturado que guarda um pouco de veneno.

No fundo ele não quer morrer, no fundo eu não quero ir embora assim. Não fugida, não dessa forma. Não como quem se levanta e se veste muito silenciosamente e parte deixando para o outro apenas uma cama ainda quente.

Quando eu for, eu não quero fugir. Há uma tremenda teimosia nessa decisão, a teimosia de prova-los errados e de não ser como ele, não ter tanto medo, não ser tão covarde. Nós somos terrivelmente parecidos, é claro, nós fomos almas gêmeas, mas eu não quero.

Em algum lugar, deuses gregos riem de mim. Moira, eles dizem. O quinhão que me cabe. Se o quinhão que me cabe é fugir, então eu vou apenas rodar e rodar e acabar como Édipo. Cego por ter tentado fugir da própria tragédia.

As vezes acho que quero me consolar da dor transformando-a em tragédia. Outras, creio que todo ser humano é trágico e pego um livro do Philip Roth em busca de confirmação do velho amargurado e misógino. A literatura dele é exatamente sobre isso, o que há de trágico no que é cotidiano e ordinariamente humano.

Pastoral Americana é a tragédia de querer ser normal. Complexo de Portnoy a tragédia (uma tanto engraçada) do desejo.

Me pergunto se estou condenada a um velho detestável e mocinhas que escreveram sobre estar nas raias da loucura.

Depois de pouco mais de duas semanas de fuga, eu sinto o controle voltar. Minhas mãos pararam de tremer, eu parei de chorar de forma convulsiva, eu voltei a dormir, eu diminui os cigarros, eu bebo um pouco menos. Eu fui capaz de dizer para mim mesma que não entraria em pânico e não entrei. Sentir que cérebro e corpo são uma coisa só é uma sensação reconfortante, nunca a subestimem.

Eu falo devagar porque tenho medo das minhas palavras. Eu ainda tenho meu corpo tenso porque tenho medo dele, da determinação em se ferir que ele tem as vezes.

Fausto aprendeu no que dá querer demais

Não precisa de um passeio muito longo pela literatura pra perceber que nós estamos constantemente sendo punidos por querer demais. Prometeu, Fausto, alguém do Shakespeare que eu suspeito seja Macbeth (desculpa, meu repertório de Shakespeare é um negócio BEM falho, pretendo resolver algum dia), Raskolnikóv, até o Swede em Pastoral Americana.

Digo até o Swede porque parece que mesmo em um universo completamente aleatório, dominado pelo acaso que é um animal cruel (já falei disso aqui) se é punido por querer demais. Ele quis ser americano, ao invés de judeu, o que é um passo maior que as pernas, mas possível. Mas ele não quis apenas ser americano, quis ser a América de certa forma e daí a tragédia é inevitável.

A maior lição do personagem, e uma das melhores passagens da literatura contemporânea, é que a vida não faz sentido. Mas ainda assim, será que toda a tragédia ali é aleatória mesmo? Sem nenhuma conexão com o que ele quis, quem ele é, com o fato de ele querer demais?

Nós queremos relacionamentos que deem certo com alguém por quem sejamos perdidamente apaixonados. Queremos empregos que não sejam detestáveis e queremos um milhão de outras coisas como roupas, móveis, viagens, etc, etc, então tem que pagar bem também. Eu quero ler todos os livros, ver todos os filmes, assistir todas as séries, escrever todo dia, uma indicação de publicação pro mestrado, um doutorado em Paris, uma passagem pra Índia e ter minhas unhas feitas.

Eu quero ser amada por pessoas e quero ir embora. Tudo ao mesmo tempo. Como se fosse possível.

Eu quero laços e quero a liberdade suprema da ausência deles. Eu quero ir e quero estar aqui, eu quero o mundo todo e ainda quero pessoas em volta de mim. Não dá, ou se ganha o mundo e se perde o aqui, ou ao contrário. Eu estou em um caminho bem claro de ser punida por querer demais.

Eu me assusto muito cada vez que quero algo. Deve ser algum tipo de culpa judaica bizarra ou só minha cabeça um pouco defeituosa, mas eu tenho muito medo quando quero algo porque meu instinto é dizer a mim mesma que não mereço. Que não posso ter. Que a existência é só essa condenação de desejar coisas, eternamente.

Acho que algum filósofo grego comparou homens com cavalos com a cenoura na frente. Schopenhauer (rolou um google pra saber como escreve, um beijo pra acadêmica disléxica) falou muitas coisas, muito deprimentes, sobre ser escravo da própria vontade. Eu tenho pouca tendência a achar que devemos para de desejar, não me atrai em nada a ideia de que algum tipo de felicidade possa estar na ausência de coisas, não gosto da ideia de equilíbrio, meio termo. Sou mais fatalista que isso: acho que estamos condenados a desejar coisas, sempre, a querer demais e sofrer por isso.

E querer coisas e querer mais coisas assim que conseguimos essas primeiras. Lembro daquele moço que eu saia que gostava de dizer que todo objetivo é ouro de tolo porque uma vez que você chega lá passa a querer outra coisa. Achava isso extremamente sábio da parte dele, que sempre me pareceu ao mesmo tempo em paz e atormentado com o fato de que ele também queria demais.

Eu não sei se tenho mais medo de conseguir o que quero ou de não conseguir. Não sei se meu medo é pura e simplesmente da intensidade com que quero as coisas, quando quero. É engraçado que eu já ganhei algumas vezes a interpretação de ser fria, ou distante, ou pouco interessada em sentimentos por conta desses anos solteira. Ao contrário, acho, eu acabo querendo tanto e me apaixonando tanto e ao mesmo tempo eu quero tanto a mim mesma, ao mundo que não se pode querer tanto duas duas coisas sem enlouquecer.

Talvez não se possa querer nada nesse tanto sem enlouquecer.

Tem aquela frase da Sylvia Plath também que diz que quando queremos desesperadamente coisas demais, estamos muito próximos de não querer nada. Talvez. Acho que faz algum sentido. Isso de querer tudo, querer o mundo, querer todas as coisas é só uma forma de lidar com esse desejo todo quando não se quer nada, especificamente. Eu detesto a maneira como me sinto esvaziada quando passo a querer demais uma mesma coisa, eu detesto quando esse querer todo se concentra em alguma coisa. Detesto e tenho medo.

Querer alguma coisa, uma coisa real e concreta e possível de ser apontada, é arriscar perder. Eu tenho dificuldades enormes de admitir, pra mim mesma, o quanto quero algumas coisas, o quanto não ter pode puxar meu tapete, eu detesto olhar de frente quando essa intensidade de querer se transforma na intensidade da dor de não ter. Provavelmente por essa certeza de que não posso ter o que quero, ou por medo de ter e não ser aquilo, não estar satisfeita.

Eu passei anos querendo algo, alguém, achando que as coisas fariam mais sentido, eu faria mais sentido, uma vez que conseguisse. E quando eu consegui já não fazia mais sentido, nenhum, eu já não queria aquilo. E de alguém que tinha metade eu passei a ser alguém que não tem nada. Já perdi muita coisa nessa vida, nada nunca doeu como isso, nenhuma dor nunca foi tão quieta e tão persistente, nunca houve uma falta mais torturante.

Então melhor não querer nada.

Querer algo e fazer coisas a respeito disso requer um mínimo de fé que se vai conseguir. Quando a Capes me faz aquela pergunta muito idiota de por que eu mereço uma bolsa, eu só posso responder se achar, pelo menos um pouco, que mereço. Acho razoavelmente possível quando sou capaz de listar critérios objetivos, sou completamente incapaz quando preciso dar um salto de fé em mim mesma.

Por exemplo, quando se quer uma outra pessoa. Ir atrás requer um mínimo de fé que algo em você é interessante, desejável, que é possível querer estar com você. Kierkegaard que me perdoe, mas tenho achado mais fácil saltar na fé em deus do que acreditar nisso. E eu definitivamente não acredito em deus.

Talvez eu tenha lido literatura demais e tenha aprendido muito bem que sempre se é punido por querer demais. Eu certamente li livros do Philip Roth o suficiente para saber o quanto somos escravos do desejo e o quanto a verdadeira comunhão humana é impossível. Bergman pode até dizer o contrário, eu posso até ter escrito todo um mestrado sobre saltar no outro independente de garantias, mas isso é muito mais uma versão da coisa que eu quero comprar, mas não consigo. Mais do que qualquer desejo, querer uma outra pessoa vai inevitavelmente atrair uma punição.

Falei ali em cima que tenho muito pouco interesse por quem vem dizer que abandonar vontades ou achar uma espécie de equilíbrio no desapego gera felicidade. Não acho, mesmo, sou daquelas que acredita em intensidades, em sofrer muito e ser muito feliz por espaços curtos. Mas nem sempre é uma aposta que se pode bancar, eu acho cada vez mais que não posso. Que preferia não querer absolutamente nada e a abrir mão dos dois lados da moeda, preferia a imagem de distante e inatingível que de vez em quando fazem de mim. Eu queria mesmo partir corações sem remorso como as vezes acham que eu faço. E eu queria realmente parar de partir o meu.

E não só com pessoas. Com textos, com tudo. Com a pessoa que eu sou. Eu queria realmente parar de atrair a fúria do universo sem sentido para mim porque quero demais. Mas eu li literatura suficiente pra saber que isso é impossível.

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Karma, tragédia grega e Philip Roth (ou Ozzy Osbourne sabe das coisas)

Eu acredito em pouquíssimas coisas nessa vida. Não acredito em Deus, não acredito no amor, não acredito na felicidade, não acredito nas pessoas, acredito apenas em álcool, extraterrestres e karma.

Um dia eu estava na Flip, na fila do autógrafo de já nem sei mais que autor, quando um daqueles hare krishnas que concorrem cruelmente com a venda de livros élficos me perguntou se eu conhecia o karma. Quis responder: “conheço e it’s a bitch”.

Me perdoem os verdadeiros estudiosos da coisa, sei que o princípio é que tudo que vai volta, que se eu for um ser humano bom, iluminado e evoluído as coisas vão melhorar. Sei também que estou muito longe de ser um ser humano bom, iluminado e evoluído, sou irônica, cínica, sarcástica, mentirosa, bêbada, irresponsável e talvez já tenha roubado um cd deliberadamente em uma lojinha alternativa de Curitiba e portanto é claro que recebo minha cota de desgraça, mas, às vezes, é muito difícil não acreditar em um princípio de retorno rancoroso e vingativo.

Ao menos é mais fácil do que acreditar que o universo é só um monte de partículas desgovernadas se chocando aleatoriamente e tudo não passa de uma enorme coincidência. Que é o que eu realmente acredito.

É mais fácil acreditar que as energias do universo se movimentam para me punir. Que em alguma vida passada eu fiz pole dance na cruz, lavei calcinha na tábua dos dez mandamentos, trepei na mesa da santa ceia, sabe-se lá. Por incrível que pareça, é bem melhor acreditar que eu mereci de alguma forma todas as coisas que acontecem comigo.

Meu orientador uma vez disse que acaso é a palavra que os pós-modernos usam para destino. Aquele destino trágico, grego, que diz que Édipo pode correr o quanto quiser, vai acabar comendo a mãe e matando o pai. Eu adoro o conceito grego de moira, destino, mas mais precisamente “o quinhão que me cabe”. Aquilo que me cabe nesse mundo, nessa vida, nesse universo. Aquilo que me cabe pode ser destino, mas pode ser acaso, porque o destino é absolutamente aleatório. Destino não é karma, Édipo não fez nada para merecer a tragédia que lhe caiu. Foi um capricho, dos deuses, das moiras.

Em American Pastoral, Philip Roth escreve a frase que talvez seja a coisa mais genial que já li em toda literatura (seria mais chique se eu disse que a frase mais genial que já li fosse de algum autor russo, francês, sei lá, mas não é, é do senhor Philip Roth que fala de morte e sexo e acaso): “He had learned the worst lesson that life can teach – that it makes no sense. And when that happens the happiness is never spontaneous again.”

A vida, meus amigos, não faz sentido. Não há plano, sistema de retribuição, ou forma de melhora-la sendo uma pessoa boa, iluminada e evoluída. A vida é tragédia grega e às vezes lhe cabe um quinhão horroroso, sem que você tenha feito qualquer coisa para merecer isso. Ou, na versão do Woody Allen, lhe cabe a maior sorte do mundo após o assassinato de dois inocentes.

Esses últimos dias, porque a morte do Mandela fez surgir o Coetzee, ando assombrada com Disgrace, um livro que li meses atrás. O livro entrou de tal forma em mim que cheguei a sonhar com ele várias vezes, acho que sonho ainda hoje. Mas fico assombrada com a profunda gratuidade da desgraça ali, com a aleatoriedade, o azar, o acaso, escolha o termo que preferir. O título em português é Desonra, não gosto, é Desgraça mesmo.

Desgraça é o que nos cabe, quase sempre, atribuído por esse conjunto de átomos desgovernados que chamamos de acaso. Gosto muito da palavra Acaso, gosto da entidade Acaso. O Acaso é um deus mais imprevisível, caprichoso e implacável do que qualquer um de qualquer mitologia antiga. Gosto muito dele.

Mas nem sempre se pode conviver com o que se gosta. Eu certamente não conseguiria ver filmes do Haneke ou ler livros do Coetzee todos os dias da minha vida. Então acredito em karma e evito dar respostas mal educadas ao hare krishnas da Flip, vai que volta.

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Bashevis Singer e a estranha permanência das coisas

Há alguns dias eu comecei a ler os contos do Bashevis Singer, as tais “collected stories” no original que não é original e que saiu aqui em uma daquelas edições listradas da Companhia,  com uma tradução que me faz sofrer. Eu estou só no sétimo conto de 47 e me parece cedo para vir falar sobre ele, mas já nesses contos algo me chamou atenção: o ponto do Bashevis Singer é a permanência.

Isso me surpreendeu enormemente porque toda literatura judaica, sobretudo toda literatura idiche, pós-haskalá, ainda mais pós segunda guerra, me parecia a literatura da impermanência, das mudanças, da perda das raízes. Não que eu seja a grande especialista em literatura judaica, inclusive larguei no meio uma matéria sobre isso, mas eu li uma quantidade razoável dela. Só nesse ano eu li Jó, do Joseph Roth, um livro sobre o esfacelamento do mundo judaico tradicional e  As Aventuras de Augie March, do Saul Bellow, que começa com um judeu afirmando “sou um americano”.

Mesmo o Sholem Aleichem, o tema dele parece ser a consciência de que aquele mundo, aquele universo isolado e hermético de aldeiazinhas russas estava morrendo, é dele, afinal, a peça que inspirou O Violinista no Telhado. E tem aquele conto maravilhoso, que eu não sei como ficou em português, mas em inglês se chama “On Account of a Hat”, sobre o momento em que um judeu percebe que entre ele e um oficial russo não há nada tão essencialmente distinto.

Até o Philip Roth, que você supõe já superou essa coisa toda, o homem já é a segunda geração nascida nos Estados Unidos e tal (acho curioso: Philip Roth tem a idade dos meus avós, mas é a segunda geração nascida lá, a primeira “não filha de imigrantes” que no caso da minha família, sou eu) tá lá em Portnoy’s Complaint com um moço sofrendo porque bate punheta e não consegue ser um bom menino judeu, quer ser um bom menino judeu, mas é bem mais legal pegar aquela loira com cara de vagabunda e bater punheta. (é óbvio que não pode bons meninos judeus baterem punheta, insira mãe judia aqui fazendo comentário constrangedor sobre como a coisa vai “afinar”)

Mas não pro Bashevis Singer. Seguindo a tradicional tendência a obsessão, ele conta sempre a mesma história, sobre o mesmo lugar, que pode se chamar Frampol ou Kreshev, mas é sempre uma vila polonesa, igual, todas iguais, como a que ele nasceu, a que meus avós nasceram, a que o pai do Art Spiegelman nasceu, etc, etc. E a história é sempre, de alguma maneira, a mesma.

É a história de como o pecado e a transgressão serão punidos e de como a permanência traz felicidade. Alguns desses contos são narrados por um demônio que consegue de fato corromper sua vítima, mas ela é sempre punida. Outras falam de alguém que teve a chance de mudar tudo, esquecer o passado e as raízes e se viu angustiado até o momento em que retomou aquilo que sempre fez, que sua família sempre fez, que séculos e séculos de antepassados sempre fizeram.

Me surpreende muitissimo esse  homem que morreu em 1991, que viu a segunda guerra, que saiu da Polônia, foi morar nos Estados Unidos, escrevendo sobre um mundo em que a corrupção é punida, os valores são estáveis e não há fluidez, incapacidade de crer nos valores ou angústia pela identidade. Todos sabem seu lugar, aceitam a punição por seu pecado, enxergam-se como parte de um mundo que funciona assim, sempre funcionou. Acho que tudo isso faz sentido quando se pensa que ele escreveu em ídiche a vida toda.

Eu não acho que um dia li um autor moderno tão preocupado em narrar as coisas que ficam e, mais que isso, crendo nas coisas que ficam. Porque algumas coisas ficam. Quando eu leio esse livro eu reconheço os ditados, boa parte deles eu sei em ídiche, eu sinto o cheiro das comidas, eu lembro da minha tia-avó brigando comigo porque com essa mania de cemitérios eu devo ter um dybbuk. Algumas coisas ficam, basta pegar um filme de dois anos atrás dos irmãos Coen. Mas ninguém se lembra de falar delas em frente a angústia do que não ficou, da identidade que não se tem.

Bashevis Singer é uma voz de um outro mundo, morto muito antes dele escrever. Ele narra coisas que soam como lendas, não por causa dos golens, demônios e espíritos maus, mas porque tudo é permanente. Eu nunca cheguei a sonhar com um mundo de permanência e nenhum escritor nunca soou tão próximo, em uma certa camada, e tão abissalmente distante de mim.

(Em tempo, é Chanukah, hoje é a sexta noite e esse livro, mais as pessoas que vejo carregando comida na rua me fazem pensar se latkes sobrevivem no correio entre Rio de Janeiro e São Paulo)

You’re so vain, you’re probably think this post is about you

Me interessa muito a mentira na literatura.

Não a ficção, a invenção óbvia das histórias, o “faz de conta”, a mentira mesmo. Como quando a Marguerite Duras diz que O Amante é absolutamente biográfico e depois escreve O Amante da China do Norte em que detalhes são diferentes. Como os diários da Anaïs Nin que seriam diários, mas mesmo? o Franzen falando que mais de um diálogo nos ensaios do David Foster Wallace são inventados.

Aliás, me interessa muito a mentira e pronto.

Mas na literatura me interessa essa linha da autobiografia, esse dizer que algo é verdade, mas tomar a licença de alterar a verdade porque afinal é literatura. Como O Museu da Inocência.

E eu esqueci de avisar, mas é um pouco o que acontece aqui.

Eu esbarro muito com ter que explicar esses textos. Não exatamente o que eu quis dizer, mas se estou bem, o que aconteceu pra ter escrito, etc, etc e algumas vezes dei a resposta “eu estou melhor do que quis parecer ali”. Não do que pareceu, do que eu quis parecer.

Esse blog é autobiográfico? Sim, sem dúvidas. Tudo que eu escrevo é. E eu quero escrever, ensaios, roteiros. Mas não sou dada a muita ficção, a invenções, a vernizes sobre aquilo que eu quero dizer. Em parte por pura incapacidade, em parte porque a literatura que mais me tocou na vida é essa sem muito verniz, Sylvia Plath é minha escritora favorita, mas Marguerite Duras, Hemingway, o tanto que eu fiquei fascinada com a Anaïs Nin. De todo o Philip Roth, o que achei mais interessante foi a delicadeza da sinceridade de Patrimony e a crueldade de nem trocar os nomes em Deception.

Mas não sou Philip Roth (aliás, judaísmo, ouvi dizer que você vinha com uma porcentagem aumentada de genialidade, onde está a minha? vamos acelerar?) e isso é um blog, não um livro. E a chance (e a óbvia habilidade, mas acho que não preciso ficar repetindo isso) que ele tem se se fundir na história e ser esquecido como homem, existir só como escritor, eu não tenho. E as vezes eu preciso justificar os textos.

Acho justo, acho principalmente justo que eu precise pagar pelo que exponho. Eu já tive essa briga comigo mesma muitas vezes, porque, ironicamente, eu sou uma das pessoas mais fechadas desse mundo. Eu nunca digo para alguém o como eu me sinto em relação a ele, mas escancaro em um texto sem maiores problemas e sim, isso me causa problemas. Mas é um preço que eu resolvi pagar(ou não resolvi, mas não consegui não arriscar, como nunca consigo não arriscar).

Às vezes, por incrível que pareça, eu deleto textos, decido não postar. Às vezes também, eu minto. Para me proteger, para proteger algum outro, ou simplesmente porque a vida, mesmo a minha toda cheia dos acidentes dramáticos, não é lá muito literária e nem sempre o como eu me sinto dá um bom texto. Muitas vezes o texto adquire o próprio ritmo, a própria fluidez e para que o raciocínio feche melhor o que está expresso não é exatamente o que eu sinto e tudo bem, eu não assinei nenhum termo de compromisso com a sinceridade aqui.

Eu posso começar falando com alguém, mudar de interlocutor no meio do texto e nunca avisar, não preciso avisar, se do ponto de vista da narrativa não faz diferença com quem eu (a pessoa atrás do computador, não a voz narradora do texto) estou falando. Eu posso escrever sobre algo muito antigo como se fosse o presente, porque é mais forte assim, porque eu prefiro. E porque eu gosto desse quebra cabeças. Eu gosto de esconder e mostrar e mentir e jogar uma quantidade enorme de mim aqui e ao mesmo tempo as vezes mentir. Eu gosto da personagem, ela me ajuda a gostar mais de mim.

A personagem com menos filtros e mais neuroses, com mais coragem de viver a dor e que não precisa respirar fundo, recolher os cacos e funcionar. Às vezes esse blog tem uma dor que meu eu real não pode se autorizar a sentir, não sem desmoronar completamente. A personagem, mais obcecada, neurótica e sofredora do que eu, sente para que eu não enlouqueça. Embora seja a mais absoluta verdade que eu viva tentando não enlouquecer, eu muitas vezes estou um tanto melhor do que parece aqui.

E eu gosto tanto da ambiguidade, do quebra cabeça, de ser desestabilizada como leitora sem saber o que é verdade ou mentira, que decidi por esse post. Não é uma justificativa para alguém, é uma semente de desconfiança em tudo que vocês lerem daqui pra frente. Eu falo a verdade, ou blefo? Com quem eu falo? Ele existe? O que você, que provavelmente teve algo comigo que justifique ser personagem de um texto, realmente sabe sobre mim?

Recentemente eu tive muita raiva por alguém que esteve por aqui um bom tempo não saber nada de mim, mas honestamente, o que eu deixei que ele soubesse? O quanto eu não menti? Eu minto no meu próprio diário.