Amsterdam

Amsterdam, minha experiência com um maníaco sexual com ar de George Michael

Eu vivo dizendo que sou azarada, mas acho que não é exatamente isso. Na verdade, meu campo gravitacional para aleatoriedades que é maior do que o de um ser humano médio. As coisas chegam perto de mim e param de fazer sentido, as pessoas também, o tempo, tudo, tudo para de fazer sentido se chega perto demais.

Vocês duvidam, mas eu desafio: quem já teve um homem quase morrendo em um chuveiro explosivo? Quem já teve os cabos do ônibus elétrico desligados em plena sexta pré-carnaval tendo um vôo pro Recife? Quem foi passear em Israel e acabou no meio da guerra? Quem foi acusado de roubar agendas por uma louca invasora de salas? Sou Grande Líder Não Democrática da aleatoriedade, é minha sina.

A sina é tal que no dia 01/09/2013 eu desembarquei em Amsterdam, peguei um trem, desci do trem e fui andando feliz, contente e serelepe pela cidade com minha mala e minha companhia responsável pelo mapa (por motivos mais que óbvios). Vejam, holandês não é uma língua muito fácil e cidades com ruas de nomes quase iguais só muda uma letra em uma língua que soa tipo um alemão piorado são piores ainda. Ou seja, nos perdemos. Não foi muito, algo como duas ou três quadras a mais, podia não ter feito diferença se não fosse meu enorme e deformado campo gravitacional para a aleatoriedade.

Enquanto nós duas sujas, suadas, com a cara amassada e a roupa possivelmente suja de jantar do avião pós voo de 12 horas andávamos pela rua um cara em uma loja começou a chamar. Vejam, eu digo não para muito poucas coisas, talvez isso explique porque acumulo tantas histórias ridículas, mas isso não vem ao caso, experiências são importantes, eu poderia inserir aqui aquela cena da Jessa gritando “I’m going to look 50 when I’m 30!”. Um homem em uma loja de cosméticos chamou, quem diria não?

Pausa para o contexto: existe o Mar Morto, no Mar Morto existe lama e minerais e uns negócios ótimos para a pele dos quais as pessoas fazem cosméticos. Em Israel (mas dá pra achar na França e nos Estados Unidos) tem uma marca amor chamada Ahava, no resto do mundo é mais fácil achar uma marca que faz a mesma coisa pelo triplo do preço chamada Premier (fim do momento blogueira de beleza) . O homem da loja de cosméticos vendia Premier, o que resultou que nos primeiros cinco minutos eu disse “não vamos comprar, tem outra marca que faz o mesmo e custa muito menos”.

Mas o vendedor era um homem com uma missão e, apesar da minha leve cara de ceticismo, ele pegou a mão da Aninha (que a essa altura vocês já sabem é a personagem coadjuvante de maior frequência nesse blog, depois de um ou outro ex) e começou a passar um esfoliante. Vamos, de novo, parar um minuto e nos perguntar o seguinte: há algo de sexual em um esfoliante? Algum de vocês tem fetiche com esfoliante? Alguém efetivamente sente tesão por passar esfoliante em alguém? Se esse for o caso, por favor, manifeste-se na caixa de comentários (pode ser como anônimo) ou no meu email, prometo sigilo, privacidade e seu amor de volta em três dias, mas fiquei realmente curiosa.

Porque o senhor vendedor começou a passar esfoliante na mão dela como quem lambuza uma atriz pornô com calda de chocolate. Ao contrário da revista Nova, não sou adepta do sexo comestível, mas já estive rindo do xvideos de madrugada, inclusive já vi um pornô com pterodátilos. Muito sexualmente vendedor passa esfoliante e diz, em um tom digno de George Michael em Careless Whisper, your hands will be soft, like a baby’s butt *insira aqui um olhar levemente psicopata, levemente maníaco, meu deus esse homem diz baby’s butt fazendo carinha sexy”.

É claro que não termina aí. Ele segue com movimentos sexuais e olhares sugestivos e diz “imagine that, all over your body” em uma entonação como aaaaall-over-your-boooody” e uma leve reboladinha a lá George Michael. Eu devo estar com uma cara de choque, foi todo aquele vinho barato do avião certeza, é o vinho barato e a brisa da cidade, estou alucinando, eu juro que nunca mais vou beber vinho barato no avião. Não, mentira, nunca juraria uma coisa dessas.

Enquanto eu ainda estou decidindo se o vinho barato mais o cheiro de maconha estão me dando alucinações, ele se inclina no ouvido da Aninha e diz “that’s also good for relations”. É isso, meus amigos, um maníaco por mãos, um tarado do esfoliante, é Amsterdam afinal, mas eu esperava uma coisa mais masmorra medieval, não armário de cosméticos.

Dez minutos na cidade. Dez minutos. Eu não tinha conseguido chegar ao hostel. Mas encontrei um quirofílico (precisei procurar essa palavra o google, ao faze-lo descobri que existe o fetiche por amarrar pedras no pênis, precisei compartilhar a informação). A única coisa que eu achei mais rápido que o maníaco sexual foi o cheiro de maconha.

Falando em maconha, pode ser que um meio brownie induza alguém a ficar repetindo “aaaaal over your boooody” e “like a baby’s butt” enquanto rebola até o chão. Pode ser.

Contemplando a aleatoriedade da existência na noite de Amsterdam

Contemplando a aleatoriedade da existência na noite de Amsterdam

Van Gogh e madeleines

A memória funciona de um jeito estranho. Eu fui a Amsterdam quando criança e não lembro de nada além de ovelhas, moinhos na estrada para Delft e a casa da Anne Frank.

Lembro bem da casa da Anne Frank e de como achei muito, muito legal que alguém morasse atrás de uma estante, em um esconderijo secreto. Na época, eu não conhecia o horror. Li o livro uns anos depois, quando eu acho que já tinham me contado sobre o horror, mas quando eu ainda não podia entender. O livro não fez muito para que eu entendesse, acho que porque é um livro sobre isso: a inocência que não pode entender o horror que ela mesma vive.

Acho que aprendi a palavra holocausto aos sete anos de idade, quando fiquei esperando no jardim do museu de Jerusalém, mas levei anos para entende-la. Quando entendi, passei mal ao ver uma pilha de sapatos.

Mas voltando à memória, que funciona de maneiras tão estranhas que me fez discorrer dois parágrafos sobre algo que absolutamente não era o assunto do texto: eu não lembrava nada de Amsterdam além dessas poucas coisas e com certeza não me lembrava do museu Van Gogh, até ver o quadro do quarto.

Eu estudei em uma escola bem hippie, sempre conto isso, e nossa aula de artes era uma mistura de fazer desenhos com história da arte: nós aprendíamos sobre Chagal e fazíamos anjinhos de argila, sobre impressionismo e pintávamos impressões do por-do-sol, sobre Van Gogh e desenhávamos nosso quartos.

Eu não lembrava disso, mas quando vi o quarto exposto em uma parede vermelha, eu lembrei. Do meu quarto de criança, das aulas de artes, de quando ouvi pela primeira vez que Van Gogh tinha cortado a orelha, da primeira vez que ouvi que aquele quadro, ainda hoje meu preferido, ele pintou antes de se matar com um tiro.

Eu adorava a professora que me ensinou sobre Chagal, eu adoro Chagal até hoje. Eu adorava como ela não pensou duas vezes antes de contar para crianças de dez anos que um pintor tinha se matado, que talvez ele fosse homossexual, o como ela queria que nós entendêssemos o tormento naquela arte. Talvez ela tenha sido responsável por meus caminhos posteriores, pela minha afinidade com a arte que é tormento.

Há tanta coisa que eu não me lembro e que de alguma forma é tão parte de quem eu sou. Eu tinha esquecido dos carnavais deitada na grama do clube, dos pasteizinhos de catupiry que a gente comprava quando chegava no Rio, do primeiro dia que eu toquei piano. Talvez eu não lembre até hoje do real primeiro dia que eu toquei piano e esse que tenha me voltado seja o segundo, ou terceiro, não sei.

É bobagem pensar que nos lembramos do que é importante. Nos lembramos do que o acaso decide lembrar. Lembramos do que conexões químicas aleatórias decidiriam armazenar, de fragmentos, cacos, pedaços.

Quando me serviram café na Turquia, eu me lembrei de American Gods: “black as night and sweet as sin”. Adoro essa frase, mas ela tinha completamente escapado da minha memória.

Se não lembro de mim mesma, se não lembro dos livros que eu amo, me pergunto o que vou lembrar de você.

Coisas que aprendi na Turquia até agora

1 – Toda cidade tem um Atatürk boulevard. Absolutamente toda. E toda nota tem a cara do Atatürk. Em todo ponto turístico tem um busto do Atatürk. O aeroporto principal de Istambul se chama Atatürk.

2 – Turcos não usam seta. Nunca. Me sinto a pessoa mais idiota do mundo dando seta nesse país.

3 – Existe um S cedilha (que não possuo nesse teclado) que tem um som entre S e X melhor conhecido como S de carioca. Está descoberta a função da minha semi-carioquice: conseguir pronunciar letras turcas. O C tem um som parecido com “tch” que eu não consigo imitar direito.

4 – Obrigado é uma palavra impronunciável! E olha que eu falo alemão

5 – Chá turco é feito de uma planta muito específica que só cresce no noroeste da Turquia, mas o gosto é igualzinho de chá preto.

6 – Velhinhos ingleses aposentados dominam Dalyan, uma cidade do litoral perto do Egeu. Dominam a ponto de ser possível achar Earl Gray quente no verão.

7- A Gol deles chama Pégasus Airline. E existe uma Azerbaijan Airlines

8 – Chaminé de Fada é um nome muito fofinho para algo que simplesmente devia se chamar grandes pintos de pedra.

9 – Cidades de praia se parecem no mundo todo, exceto que nessa tem 400 mil karaokês. Não vi nenhum turco em um karaokê, nem me arrisquei em um, atualmente só ando exibindo meus dotes de vocalista em festas privadas.

Pensei em fazer um “coisas que aprendi na viagem”, mas acho que a coisa mais relevante que aprendi em Amsterdam diz respeito ao funcionamento de pirulitos de maconha.