Existem anos épicos na vida. Anos que, se um gráfico de intensidade fosse feito, extrapolariam qualquer medida e seriam aquele cume muito bem delineado, o everest da história dos anos. 2014 foi esse ano para mim.
Eu sei que tenho dezembro quase todo. Sei que é cedo para esses posts clichês de balanço. Mas foi tanta coisa que eu não posso mais com esse ano e tudo que me sobra é puxar o freio um pouco antes, entender que para mim ele já acabou.
2014 foi o ano que começou com alguém dizendo “eu queria uma taça de espumante” e uma taça de espumante magicamente sendo posta na mão dela. Foi o ano dos desejos realizados. Nas primeiras horas de 2014 eu estava no topo de um cortiço/mansão em Havana, vendo a cidade toda lá do alto, completamente bêbada e pensando que eu não tinha a menor ideia de como tinha ido parar lá. Não naquela noite, embora isso também. Mas na vida. A minha vida, de alguma forma, tinha me levado a ser a pessoa no topo de um cortiço/mansão decadente cubano e seja lá como isso tivesse acontecido, eu estava satisfeita.
A primeira lição desse ano foi: eu não sei bem como cheguei aqui, mas eu cheguei em algum lugar e eu gosto dele.
Uma das primeiras coisas que fiz em 2014 foi ser roubada em um país socialista e participar de uma reconstituição criminal. É bastante coisa que um ano que já começou assim tenha só sido ainda mais aleatório ao longo dos outros doze meses.
Em 2014, eu: defendi um mestrado, visitei 14 países, perdi meu passaporte, cruzei a fronteira entre a Sérvia e a Bósnia e sobrevivi, me engracei com um bósnio, um austríaco, um australiano, um mexicano, um luxemburguês e um americano. Eu visitei o túmulo do Bergman. Eu vi a ponte de Praga iluminada sob a chuva e eu me apaixonei quase a primeira vista. Eu tive três empregos. Eu comecei um vlog. Eu decidi entrar no doutorado. Eu me joguei de um penhasco. Eu quase fiquei louca.
Não é um exagero, não é uma figura de linguagem. A dor que eu vinha guardando em mim por 25 anos de repente estourou, me sufocou, envenenou todo meu sangue, minha fala, minha pele. Minhas mãos começaram a tremer sem parar. Eu passei 56 horas sem dormir. Meu cabelo começou a cair. Eu deixei de comer. Eu quis, de verdade, morrer.
E então um dia eu entrei pela sala do meu analista e anunciei que ia embora, que eu ia embora senão ia morrer. Que eu não queria ficar ali para ouvir os diagnósticos dele, que eu queria ir embora. E chorei sem parar por quase uma hora. Ele assentiu com a cabeça, me deu três meses de receitas e me deixou ir embora.
E eu fui. Sozinha. Sozinha com toda a dor e a loucura e o medo que tinha em mim. Foi uma aposta alta. Uma aposta que eu não tinha a menor certeza.
Mas eu voltei. A minha dor voltou comigo. Mas a minha loucura não.
Em algum ponto entre o sul da França e a Escandinávia eu achei meu centro. Eu descobri quem eu queria ser. Eu lembrei das luzes de Havana se espalhando lá embaixo e me lembrei que eu ainda não tinha ido a Índia. Eu não poderia morrer antes de ir pra Índia.
Quando eu voltei eu decidi que metade das minhas roupas eu já não queria, eu cortei o café, eu voltei a dançar, eu mandei consertar minha bicicleta. Eu desenhei na minha pele a lembrança de que eu preciso ficar. E eu lembrei da sensação do lugar onde eu queria estar.
2015 eu começo em casa. Com as pessoas que são minha casa. Com meus pés na areia e todo amor do mundo. Eu quero, embora não saiba se consigo, colocar pontos finais em histórias que eu já não posso mais carregar comigo. O começo de 2015 não me promete o melhor dos mundos, daqui, ele é o ano que já começa com meu coração partido. Mas agora eu acho que tudo entrou no lugar suficiente para que ele não carregue todo o resto de mim junto. Para que ele não rache as estruturas.
Eu não sei disso, eu só acho.
Eu quero viajar de novo. Eu quero ir a Ásia. Eu quero entrar no doutorado. Eu quero escrever um livro. Eu quero o mundo.
Mas mesmo que eu consiga tudo que eu quero, nunca seria um ano como foi esse. 2014 foi meu melhor ano. Porque eu quis morrer, mas não morri. Porque se eu chegar a todas as vinte milhões de coisas que eu ainda quero é porque, nesse ano, eu não morri.
Passados três meses eu não fui buscar outra receita. Eu voltei a dormir. Eu voltei a comer. Meu cabelo cresceu e eu não quero cortá-lo até o limite do socialmente aceitável. Eu entendi a dimensão do inferno dentro de mim, mas eu desisti de tentar mantê-lo a portas trancadas. Eu estou aprendendo a conviver com meus demônios, fazer amizade com eles, quem sabe jogar umas partidas de xadrez.