O pessimismo das coisas complexas

Às vezes, especialmente quando eu estou fazendo algum tipo de ginástica hiper-elaborada até para uma menina prodígio explorada na ex-URSS para parecer desinteressada em um cara por quem estou obviamente interessada, eu me pergunto por que raios a gente tem essa mania de tratar relacionamentos como campos de batalha.

(pausa para a rádio mental: http://www.youtube.com/watch?v=IGVZOLV9SPo)

Não sei se campos de batalha são a metáfora certa. Mas desde que eu me lembro, desde que eu comecei a conviver com essas coisas, há uma certa ideia de disputa. Me lembro de uma menina que foi muito minha amiga, embora não seja mais há anos e, acho, está no meu exato oposto do espectro em muitas coisas, adorava repetir “um pé na bunda sempre, e eu disse sempre, te empurra para frente”.

Mas gente, onde é a frente? Eu achei que a Terra era redonda, não existem coordenadas no espaço, estamos todos a deriva, aquela coisa toda.

Eu sempre rejeitei ativamente a ideia de que a vida vai para algum lugar. De que é tudo um jogo de fases ou videogame ou temporadas de uma série destinada a ter um desfecho narrativo. Não quero dizer que essa ideia não possa funcionar para algumas pessoas, ou que eu tenha alguma ambição de dizer “vida é isto ou aquilo”, mas eu não quero viver assim. Escolhi não viver assim. E ninguém conseguiu me explicar satisfatoriamente o conceito.

Então você vai vivendo e progredindo e recolhendo moedinhas e derrubando chefões e aí? Quando você zera você morre? Que chato. Mas sei lá, eu estou aqui evitando zerar The Last of Us faz meses só porque gosto tanto do jogo. Como estou enrolando para terminar de ler O Sentido de um Fim porque é tão curto. Enfim, digredi. Quando você zera você chega em algum lugar onde sempre quis estar? E faz o que daí? Lembro de um cara que me dizia que alcançar sonhos é sempre ouro de tolo. Lembro dele perguntando em um taxi (acho que todas nossas conversas significativas aconteceram em taxis, pensando agora) o que acontecia depois que eu escrevia sobre cinema pra uma revista francesa? Eu dei de ombros, encostei a cabeça no ombro dele e respondi que não me importava muito.

Um fora te empurra para frente, mas onde é a frente? Você se torna uma pessoa melhor depois que alguém termina com você? Você sofre, certamente. É preciso ter sofrido pouco para cair na enrolação de que todo sofrimento é educativo e formador de caráter. Sofre um pouquinho mais vocês aí. Eu aprendi muitas coisas levando foras, uma delas foi a ser arisca, arredia, evitar parecer interessada e ter um medo do caralho de me envolver. Não acho que nada disso me tornou um ser humano melhor.

Sim, teve aquele fora que me fez sair viajando por aí. Pode até ser que eu tenha feito isso porque acabei totalmente desorientada. Mas também pode ser que eu tenha aprendido coisas com a pessoa que me largou, que, quando ele foi, eu percebi que nem tudo que eu adorava nele precisava ir. Que eu podia tomar para mim algumas coisas das quais eu gostava, que eu podia ser alguém, não melhor, mas que eu preferia. Mas acho que tudo isso teria acontecido mesmo se ele tivesse ficado comigo.

E teve aquele fim em que nós deveríamos crescer e acabamos presos em nós mesmos por anos.

Então por que essa ideia de que no fim você precisa “andar para frente”? estar melhor? Eu sei que estou bem pior sem certas pessoas que poderiam ter ficado na minha vida.

Outra coisa que me incomoda é a expressão “ele/ela está perdendo”. De novo: perdendo o que? ganhando o que? é um jogo de apostas? é algo como jogar poquer? Eu não sei jogar poquer, mas desconfio que, boa mentirosa que sou, eu seria ótima. Pode ser que a pessoa para quem se diz isso seja maravilhosa. Também pode ser que a pessoa que a dispensou também seja. Pode ser que sejam dois indivíduos maravilhosos e que o amor acabou. E não, você não precisa estar melhor sem ele, pode muito bem estar pior, fazer o que?

Acho de um simplismo ofensivo essa ideia de que fulano(a) é uma pessoa maravilhosa e portanto a pessoa que o dispensou está perdendo. Talvez pessoa que o dispensou queira outras coisas, não queira um relacionamento, queira ver o mundo, tenha encontrado outra pessoa que não é mais maravilhosa, é só diferente e combina melhor. Eu sei (meu deus do céu, como eu sei) que toda rejeição soa como uma desautorização de tudo que você é, que aquilo não é bom o suficiente para ser amado. Mas não é. O que você é só não é o que aquela pessoa queria naquele momento.

Tudo bem, pode ser que ela nunca te queira. Isso não a torna um insensível que não sabe apreciar o valor do outro. A torna alguém que não quer se relacionar amorosamente com esse outro. Acontece sabe? As coisas não são assim tão lógicas, o amor não é o prêmio que você ganha por ter derrotado algum chefão no videogame da vida.

O que me leva ao motivo pelo qual esse post existe. Eu estava esses dias passeando pela internet (ah, internet, o como eu te amo e te odeio em medidas iguais) e me deparei com um texto em que uma menina discorria sobre o por que dele não querer namorar com você. Ele, interesse amoroso imaginário de Você, leitora do blog dela. Começava bem: ele não está apaixonado e isso é muito difícil de admitir. Sim. Eu passei meses em um relacionamento em que o cara provavelmente não estava apaixonado por mim e essa era a única resposta real para todas as coisas que passavam pela minha cabeça. E eu sabia disso, sabia tanto que acabei obcecada pela menina por quem ele realmente havia sido apaixonado tentando achar algo que fizesse sentido, algo que explicasse a diferença entre nós, mas não existia. Ele simplesmente não tinha se apaixonado.

Bom, tudo bem até aí. Mas a menina seguia dizendo algo como: “quando um cara se apaixona, ele se joga, não tem falta de horário, ou medo, ou traumas”. Ehhhh…. então… Aí eu parei de ler. Porque me senti ofendida demais enquanto ser humano pra continuar. Já disse isso aqui antes, mas poucas coisas me incomodam mais do que simplificar o amor em “ah, uma coisa que vai vir e magicamente mover toda sua vida e resolver todos os seus problemas com todo o resto”.

Me incomoda porque ignora nossa história como seres humanos. Ignora as complexidades e idiossincrassias e as dores e os traumas e as loucuras. Eu não quero ter o turbilhão da minha cabeça e a minha neurose ali no limite de ser medicada planificado pela ideia de que eu só não me apaixonei. Se tivesse me apaixonado tudo isso teria passado e eu seria subitamente capaz de me jogar em um relacionamento.

Eu já me apaixonei, poucas vezes, talvez uma só, mas já. E isso não resolveu o ser humano extremamente problemático que eu sou. Não fez sumir minha bagagem. Eu já me apaixonei e não fui capaz de “me jogar”. Essa ideia me ofende porque também ignora tudo que torna um relacionamento rico: se fosse assim, se amor fosse essa coisa que torna todo mundo imediatamente capaz de se relacionar simbioticamente, onde iam parar os arranjos, a convivência aquela delicadeza toda de fazer sua vida combinar com a do outro?

“Quando um cara se apaixona não tem falta de tempo, medo, traumas”. Tem sim. Porque ele é um ser humano. Um ser humano em si. Que segue tendo trabalho, história, ex-namorada, pai, mãe, irmãos, ex-amigos, todas as pessoas que tornaram ele quem é e que não vai simplesmente desaparecer porque ele se apaixonou por você.

Gostam muito de dizer que eu sou amarga, ou pessimista. Eu não nego nenhuma dessas acusações. Toda vez que escrevo textos sobre esse assunto alguém compartilha no facebook e lá está nos comentários:”nossa, que pessimismo, que horror, que frieza”. Não nego nada disso. Mas se o oposto é reduzir toda a experiência de ser uma pessoa, é transformar o amor, ou a rejeição, em um campo de batalha de onde se tem que sair vitorioso; ou uma simples questão de merecimento, perdas e ganhos, você ser uma pessoa incrível tornando uma exigência que o outro se apaixone; ou ainda essa força que vem do nada e anula tudo que você é fora dele, então eu não me importo. E tenho cada vez mais achado que para ter esse otimismo é preciso um tanto de falta de imaginação e de respeito pelas coisas que são complicadas.

 

 

(PS: eu cito o texto de outra pessoa, mas não é DE FORMA ALGUMA uma indireta para ela. Foi só uma reflexão sobre algo que me inspirou)

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